terça-feira, 31 de julho de 2007



Este corpo

Olha, digo,
é este o corpo que tenho.
Não é um corpo de arestas.

Pudesses saber agora
em que píncaros,
em que precipícios ele se construiu,
saberias também o que tenho de pássaro.
O que de oceano, tenho.

O que de só carne e sangue,
artérias batendo contra as têmporas,
pequenas taquicardias
neste corpo desconsoladamente humano.
Que não recusa a glória de o ser,
nem sua submissão ao tempo.


Silvia Chueire




sexta-feira, 27 de julho de 2007

pedra é pedra


pedra é pedra
água é água
cidade permanece cidade
humanos são qualquer coisa
que não sei bem

onde está a poesia?
o mundo me olha
com olhos súbitos de desencanto
à luz imprecisa do entardecer


silvia chueire


domingo, 22 de julho de 2007

um só dia


respiro um fio de ar,
equilibro-me parcamente no tempo.
o corpo diz-me num sussurro
sobre o cansaço,
a dor e a memória
que o atam às tuas palavras,
à razão da falta.

suspensa entre as horas e a angústia,
faço de conta que os dias
são um só.

silvia chueire

sábado, 14 de julho de 2007

Dai-me


Dai-me trevas,
com elas construirei luz.

Dai-me o silêncio,
nele eclodirá a palavra,
surpreendente,
flor a sair das águas.

Dai-me o poder de pronunciar
a palavra, de nomear a coisa
que habitará cada verso.
Cantarei uma canção
entre o olhar e a realidade,
uma canção para sempre.

Dai-me o dom de perceber
a poesia pousada no mundo,
na face encantada do mundo,
no seu corpo maltratado.

Dai-me o privilégio
de ouvir a música
que vive nos gestos, no espaço,
no frágil equilíbrio da Terra.

Dai-me mãos e braços
para escrever o que sequer dizemos,
com eles produzirei novos significados
e alçarei vôo.
O vôo sutilíssimo do poema.



Silvia Chueire

terça-feira, 10 de julho de 2007

ao fio da voz


desfez-se o mundo
no assombro da tua voz afiada
cortando a noite.
e caíram todas as coisas:
meu corpo entregue ao teu,
os gestos que te esperavam,
teus olhos pedintes
e braços a encerrarem o amor,
nossas noites indormidas,
os corpos a rirem-se
debruçados no vinho
e na música
- todas as coisas.

ainda te procuro.
vejo-te nos lugares que tomaste para ti,
toco-lhes e encontro a tua ausência.

minha voz nada diz,
as palavras coladas à mágoa
cristalizam-se nos lábios.



silvia chueire

  Caos   Pandemônio instalado; as pessoas agarram sua sanidade a correr rua abaixo.   Há uma cachoeira -de mentes – a galope n...